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O Estado, a Festa e o Garçom


Em outubro de 1996, no programa “Manhattan Connection”, o jornalista Paulo Francis fez a seguinte afirmação:


Francis: "Os diretores da Petrobras todos põem o dinheiro lá...(Suíça) tem conta de 60 milhões de dólares..."

Lucas: "Olha que isso vai dar processo..."

Francis: "É...um amigo meu advogado almoçou com um banqueiro suíço, e eles falaram que bom mesmo é brasileiro (…) que coloca 50 milhões de dólares e deixa lá".

Lucas: "Os diretores da Petrobras têm 50 milhões de dólares?"

Francis: "Ahh é claro... imaginem... roubam... superfaturamento...é a maior quadrilha que já existiu no Brasil".


Foi além, mas não deu nomes aos diretores. Nem citou fontes. No próprio programa, o número variou de US$ 50 milhões para US$ 60 milhões.


Paulo cometeu um erro capital: Não tinha provas do que denunciou publicamente. Consequência disso foi um processo de US$ 100 milhões, em NY, movido pela Petrobras dos EUA contra o jornalista. O Estado Brasileiro, dono da Estatal, pagou por um processo para defender a honra de executivos - em outras palavras, o público misturado com o privado.


O primeiro capítulo desta história foi a morte de Paulo Francis, por desgosto, no início de 1997.


O capítulo mais recente foi apresentado pela operação Lava-Jato, comprovando que, em anos recentes, bilhões de dólares foram desviados na Petrobras. No entanto, todos temos consciência de que o “modus-operandi” vem de longe. A operação Lava-Jato, ao explicitar o que todos desconfiavam, foi o estopim para a maior pressão popular, desde o movimento das “Diretas Já”, para mudar a condução do Estado, e culminou com a eleição presidencial de 2018.


A primeira semana de fevereiro de 2021 chamou minha atenção por diversos aspectos, que mostram que tudo muda para tudo continuar como sempre foi:


Segunda-Feira: O Roda-Viva, programa de entrevistas mais importante do país, recebeu Erika Hilton, uma mulher trans e preta, que foi a vereadora mais votada no Brasil. O programa todo girou em torno da violência, falta de redes de proteção do Estado e preconceitos. Nada de novo, além da coragem de convidarem para aquela cadeira, onde sentam cabeças coroadas da República, alguém que representa todas as minorias possíveis. No nosso país, nunca faltam personagens como Erika, Marielle ou Zumbi.


Terça-Feira: Deputados e Senadores elegeram, para a presidência das Casas do Congresso, pessoas que representam o que há de mais tradicional na política. E o fizeram da forma mais tradicional possível, enterrando o discurso da anti-política de 2018.


Quarta-Feira: O presidente da República vai ao Congresso Nacional para a cerimônia de abertura dos trabalhos de 2021. O que parece ser uma vitória, porque seus candidatos venceram essas eleições, é, na verdade, uma submissão do Presidente à realidade de que a política é o único caminho disponível no país. O Presidente, de máscara e ouvindo um discurso pró-vacina, estava aceitando que não existe outro caminho fora da tradição da política brasileira. Já vimos isso na história com “João Sem Terra”.


Quinta-Feira: Fim da operação Lava-Jato. Assunto polêmico, mas com questões objetivas e resultado palpável: bilhões recuperados e, pela primeira vez, gente “graúda”, “barões” de empreiteiras, presos, falando e assumindo. Em que pesem os excessos de procuradores ou juizes, a Lava-Jato foi um marco na história do Brasil. Na 5a feira, a Lava-Jato foi desmontada sem gerar qualquer berro de algum partido político relevante. Vozes isoladas apenas. O fim da Lava-Jato parece que alivia a alma nacional.


Sexta-Feira: enquanto ainda repercute o vazamento de dados dos 220 milhões de brasileiros, leio a noticia de que um ministro do STF pediu que a PF investigasse o vazamento dos dados dos ministros. Acho certo e justo, porém algumas perguntas não querem calar: Como ficam os dados de toda a população? Qual é a prioridade?


Embora tenha sido uma semana cheia de fatos e simbolismo, nada supera a comemoração da vitória do Presidente da Câmara. Em plena pandemia, mais de 300 pessoas reuniram-se numa esbórnia que, além de contrariar todas as regras sanitárias recomendadas, ainda dá um péssimo exemplo ao país. Uma festa até mesmo sem razão - afinal, ser presidente da Câmara é um trabalho doido, e demanda um alto custo pessoal.


Nessa comemoração, cujo vídeo de 1,1min ( abaixo) retrata a nossa sociedade, reparamos que, no 0:36 s, aparece uma pessoa usando máscara. A única pessoa seguindo as regras do momento seria, provavelmente, repreendida se tirasse a máscara. A pessoa de máscara é o Garçom.


Naquela festa, que é o microcosmo do país e dos mandatários da Nação, quem nos representa - à mim, à você, e à Erika, é o Garçom.


Marcelo Odebrecht, em seu depoimento na operação Lava-Jato, assim sintetizou o sentimento daqueles que tentam - ou tentaram - lidar com política para conduzir seus negócios: “Eu era o otário do governo, era o bobo da corte.”

Os 300 convidados podem se abraçar e se beijar, porque são imunes, assépticos, não contaminam, e têm o Estado para os defender contra os “Paulos Francis” da vida.



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