Na década de 60, enquanto os franceses encantavam o planeta com a "Nouvelle Vague", no terceiro mundo um furacão varria o mundo da intelectualidade com uma ideia simples:
“uma câmera na mão e uma ideia na cabeça.”
Glauber Rocha inspirava a juventude terceiro mundista com o discurso de que as cores da Kodak não tinham como representar a luz dos trópicos.
Glauber era baiano, feito da mesma tempera que, em anos mais recentes, sairiam Duda Mendonça e Nizan Guanaes. Os baianos são grandes homens de Marketing/Propaganda, e Glauber poderia ter sido um mestre da propaganda, se não tivesse nascido no final década de 30.
Na minha visão, seu grande filme foi "Terra em Transe", no qual ele tentou explicar o Brasil, ou condensar, em um filme, o que passava em sua mente genial.
Glauber queria revolucionar e reinventar tudo. Porém, nesta ânsia, morreu cedo, incompreendido e distante de ser um sucesso de público. Glauber falou para "convertidos", e o seu Cinema Novo ficou no passado, tal como o Botafogo de Garrincha.
Hector Babenco, argentino, escolheu o Brasil para viver porque viu, no país, uma complexidade e uma riqueza de temas. Considerado argentino pelos brasileiros, e brasileiro pelos argentinos, fez do Brasil seu desterro.
Seu talento foi reconhecido a ponto de dirigir estrelas como Meryl Streep e Jack Nicholson, ambos indicados ao Oscar de 1988 com “Ironweed”, filme dirigido por Babenco.
Em 1986, William Hurt ganhou o Oscar com “O beijo da Mulher Aranha”, de Babenco, que também concorreu nas categorias de melhor filme, melhor roteiro adaptado, e melhor diretor.
Como estrangeiro, Babenco soube colocar seu olhar sobre os grandes temas nacionais. Na minha visão, foi no Brasil que ele construiu o que, olhando em retrospectiva, realmente define seu legado.
Nenhum diretor brasileiro tem um conjunto da obra que retrata tão bem nossas mazelas, o que faz com que seus filmes sejam registros fortes e conectados com o presente do país.
“Lucio Flavio: o passageiro da Agonia” (1977) aborda o momento em que o aparelho policial se mistura com o crime. Ao longo do tempo, esse problema foi ganhando maiores dimensões.
“Pixote: a lei do mais fraco” (1980) coloca a luz sobre o problema da pobreza e o abandono de nossas crianças. Assunto ainda a ser resolvido.
Uma saga de 3hs de duração, filmada totalmente no meio da floresta Amazônica, “Brincando nos Campos do Senhor” (1990) trata, de forma contundente, o assunto que hoje parece que a Nação começou a perceber.
“Carandiru” (2003) apresenta a sistema prisional como o microcosmo da relação do Estado com o povo.
Neste ano, na cerimônia do Oscar, Barbara Paz, uma ex-participante de "Casa dos Artistas", atriz de novelas, e a última mulher de Hector, quase concorreu ao Oscar de melhor documentário com “Hector: alguém tem que ouvir o coração e dizer que parou”.
Barbara nunca tinha dirigido um longa metragem antes, e conseguiu fazer um filme que só muito amor explica. O documentário não se prende a contar a história do diretor, mas busca mostrar a essência de Hector: sua vontade de viver, sua vulnerabilidade e grandeza diante da doença, seus fundamentos como contador de histórias, e sua certeza de que, antes de mais nada, é preciso viver para ter o que contar.
Quando jovem, eu achava Glauber o máximo, porque era revolucionário e, como todo poeta do Romantismo, morreu cedo. Hoje admiro Hector, que se descobriu com câncer aos 38 anos de idade, e batalhou para viver mais 32 anos. Nunca parou de produzir, seja dentro da Selva Amazônica, ou como no seu último filme de 2017 ("Meu amigo hindu"), no qual abordou sua própria experiência do cancer.
Quando jovem, eu não percebia que o grito intelectual de Glauber não falava à massa de pessoas. Hector, por sua vez, soube fazer uma narrativa compreensível, que move o ser humano. Mesmo hoje, depois de décadas, qualquer brasileiro consegue usufruir e enxergar a realidade nos filmes de Hector citados anteriormente. Afinal, suas denúncias só se tornaram mais graves.
Talvez seja mais fácil, para um estrangeiro, olhar com isenção para nós, e conseguir enxergar o inexplicável. Talvez não seja por outra razão que o "Abaporu", de Tarcila do Amaral, pertença hoje a um museu de Buenos Aires.
À Barbara, meus profundos respeitos - afinal, poucas vezes vi alguém transmitir sentimentos de forma tão contundente e bela.
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