A Estátua, o Muro e a Voz de Reagan
- Fersen Lamas Lambranho
- 25 de mai.
- 3 min de leitura
Cresci assistindo a diversos filmes nos quais a imagem da Estátua da Liberdade simbolizava alívio e esperança de uma vida em liberdade. Hollywood representava, nessas cenas, o maior orgulho da América: a terra das oportunidades.
Mas não era só o cinema americano que usava essa imagem no clímax dos filmes — todos os cineastas que queriam expressar o que o “novo mundo” representava, para os desvalidos do planeta, recorriam a ela. A América era isso.
E o mesmo ocorria com aqueles que avistavam o porto de Santos ou o Pão de Açúcar, por onde chegaram a maioria dos portugueses, italianos, espanhóis, libaneses, alemães, japoneses e tantas outras origens que moldaram nossa gente.
No centro de triagem de Ellis Island em Nova York, vindas em navios, passaram pessoas de centenas de nacionalidades, que hoje fazem parte da história de milhões de descendentes — mais da metade da população americana atual.
No filme de 1961, A Queda do Império Romano, a primeira e longa cena mostra o ator Alec Guinness, no papel do imperador romano Marco Aurélio, passando em revista diversas bigas, nas quais reis subjugados rendiam homenagem a César. Em seu longo discurso, o imperador afirma que todos os povos conquistados são cidadãos romanos. O maior e mais longevo império da história do Ocidente ruiu — talvez não por coincidência — quando passou a negar cidadania àqueles que havia conquistado.
Ronald Reagan, um dos presidentes americanos mais conservadores, no seu último discurso como presidente, afirmou, com a serenidade de quem acreditava profundamente no que falava, que só nos Estados Unidos qualquer pessoa podia chegar estrangeira e tornar-se local. “Você pode ir morar na França, mas nunca será francês; na Alemanha, no Japão… mas só nos EUA você pode tornar-se americano.” Palavras ditas com a convicção de quem via o imigrante não como ameaça, mas como fonte de renovação moral da nação.
O século XXI, porém, não tem sido generoso com esse ideal. Os Estados Unidos, que um dia celebraram o estrangeiro com naturalizações públicas ao pé da Estátua da Liberdade, agora se veem cercados por muros, decretos e incertezas. A nova leva de ordens executivas, vindas de quem já ocupou a Casa Branca em tempos turbulentos, e que hoje retorna com ainda mais convicção, fala mais de exclusão do que de acolhimento.
A mais simbólica talvez seja a tentativa de revogar o “jus soli”, princípio que assegura cidadania a qualquer um que nasça em solo americano. Pela lei antiga, bastava nascer para pertencer. Agora, pretende-se que até mesmo o nascimento careça de legitimidade, se não for respaldado por uma linhagem migratória “regular”. Uma inversão melancólica: antes bastava o desejo de fazer parte; agora, nem nascer é suficiente.
Entre 2024 e 2025, surgiram também incentivos à “auto-deportação”, vistos de elite para milionários, e sanções a cidades que insistem em proteger migrantes vulneráveis. As fronteiras, antes linhas de chegada, tornaram-se muros mentais — erguidos com medo, e mantidos com cálculo.
Penso que Reagan, com sua biografia de ex-ator e filho de imigrantes irlandeses, via na imigração algo próximo do cinema: a crença de que, com esforço e sonho, qualquer um pode reescrever o próprio roteiro. Seu sucessor ideológico atual, porém, parece ler o mesmo roteiro ao contrário — e cortar os personagens que não se encaixam na cena.
Enquanto isso, do lado de cá, nós, brasileiros, assistimos a essa virada histórica com certa familiaridade. Somos um país erguido com o suor e o sangue dos povos originários, dos africanos escravizados, dos degradados por religião, dos sefarditas expulsos da Península Ibérica, dos portugueses colonizadores, e das diversas matizes de imigração trazidas pela grande diáspora global do final do século XIX. E, ainda assim, tropeçamos na mesma armadilha: acolhemos na superfície e excluímos na prática.
É nesse contexto que as palavras de Reagan soam como um eco distante. Talvez ingênuas, talvez idealistas — mas ainda assim fundamentais. Porque nos lembram que a força de uma nação não está em seus muros, mas na coragem de manter abertas suas portas — físicas e simbólicas.
A Estátua da Liberdade ainda segura sua tocha. E, mesmo que no seu pedestal soprem ventos mais frios, ela continua ali, lembrando que o verdadeiro patriotismo é o que se atreve a acolher — não o que teme.

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