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Dois livros e uma foto para entender o Brasil

Artigo publicado no Brazil Journal em 23 de janeiro de 2023


Nos últimos 37 anos, ininterruptamente, o Roda Viva, da TV Cultura, cumpre o papel essencial de pautar os debates no Brasil. Tenho o hábito de assistir às entrevistas antigas do programa, porque não é raro que determinados conceitos estejam tão à frente do seu tempo que pessoas normais, como eu, levem um tempo para compreender o que foi debatido.


Na segunda-feira (16), fiquei surpreendido ao ver o anúncio de que o acadêmico Jorge Caldeira estaria no programa falando sobre seu livro “Brasil: o paraíso restaurável”, que já foi publicado há três anos. Como Caldeira já participou cinco vezes do programa - o que deve ser um recorde, diga-se de passagem – não entendi a razão para a reprise de uma de suas entrevistas. Qual não foi minha surpresa ao constatar que não se tratava de uma reprise, mas de um programa específico para falar de um livro que, devido à sua inegável importância, provavelmente já está esgotado nas livrarias.


O livro alerta que o Brasil é uma potência energética, pois tem os rios com quedas, as matas, a tecnologia de biomassa, o sol, o vento e o subsolo. Tem tudo, e em abundância.

A capa do livro, reveladora e chocante, expõe o mapa do Mundo sob a ótica do potencial de se gerar vida, tanto animal como vegetal. Sob esse critério, o Brasil é a maior potência do planeta, rivalizada apenas pelo conjunto de todos os países africanos.

Caso não leia o livro, observe com atenção sua capa – no mínimo, você vai realizar como fica óbvia nossa capacidade de ter a maior e melhor matriz energética do mundo, desde que seja possível pensar estrategicamente sobre o futuro e legislar, hoje, em prol deste.


Na entrevista, Caldeira deixa claro que o Brasil pode assumir um protagonismo inédito nos anos que virão se encarar a questão climática, um desafio para o mundo, como a oportunidade de se tornar um líder imprescindível na cena global. O próprio Caldeira, no meio da entrevista, arriscou a explicar o motivo do Roda Viva levar tempo para abordar o assunto: “O Brasil não estava preparado para debater o livro em 2020”.


No dia seguinte, por coincidência, eu tinha uma conversa marcada com uma das co-autoras do livro - a jovem Julia Sekula, com quem me conectei desde o lançamento da obra, em 2020. Hoje, Julia cursa o segundo ano do MBA em Stanford e tem um foco grande na Amazônia, bem como em questões climáticas. Fiquei surpreso ao saber que, em sua turma de MBA, 65% dos estudantes, de diversas nacionalidades, estão focados em desenvolver suas carreiras em climatech. Este talvez seja o maior indicador de que o Brasil, realmente, tem a maior oportunidade de toda a sua história.


Ao mesmo tempo em que um dos programas mais prestigiosos do país abre espaço para falar do “Brasil: o paraíso restaurável” como se fosse uma novidade, várias imagens registraram o novo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, no Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, abraçado à ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, um das maiores referências da agenda ambiental. E qual mensagem subliminar tentaram passar? Talvez de que o Brasil pretende estabelecer um novo paradigma. As imagens dos dois ministros lado a lado é um simbolismo histórico. Afinal, não é mais possível discutir questões econômicas sem ponderar os seus efeitos sobre a vida na Terra.


Outra cena marcante do atual governo foi representada pelo atual presidente, Luís Inácio Lula da Silva, que subiu a rampa do Palácio do Planalto, no dia de sua posse, de mãos dadas com o Cacique Raoni – decano dos povos originários do país – sob os acordes de Villa Lobos, o primeiro músico brasileiro a explorar os sons da floresta, das aves e da natureza como matéria-prima das músicas, e que serviu de inspiração para Tom Jobim, que fez da bossa nova um ritmo universal. Porém, um novo paradigma somente será estabelecido se o Estado brasileiro, depois de 500 anos, efetivamente seguir reconhecendo no dia a dia, e não só em datas festivas e eventos grandiosos, que a competência para cuidar de nossa biodiversidade está no conhecimento ancestral e indispensável dos povos da floresta.


O documentarista João Moreira Salles acaba de lançar o livro “Arrabalde”, no qual descreve a experiência de viver no Pará, durante seis meses, registrando a vida na Amazônia. O livro trata preponderantemente da forma como a Amazônia foi ocupada e de como, em consequência, tornou-se uma região pobre e violenta. No entanto, Moreira Salles também apresenta a verdadeira face da Amazônia, na qual abundam a beleza, diversidade e o deslumbramento. Conclui que, para ele, o arrabalde não é a Amazônia, mas sim o resto do Brasil. A região mais rica em biodiversidade - “vida” - do planeta não é compreendida dentro do seu próprio país.


Essa “não-compreensão” do país “gigante pela própria natureza” que temos é que faz com que uma parte de nós se vista de verde e amarelo, como se fosse um salvo conduto, e se arvore no direito de subir a mesma rampa do Planalto – por onde percorreu dias antes o cacique Raoni – para destruir tudo que encontrasse pela frente. O que me consola é crer que, para curar, é preciso purgar.


Em que pesem os desafios da economia global e do Brasil, 2023 começa anunciando que, apesar destes desafios, está vindo um novo tempo, no qual temos muito a discutir sobre o que é realmente a criação de valor, o que é de fato retorno de investimentos, o que são o indicadores reais do desenvolvimento e demais conceitos econômicos.


A foto de Fernando e Marina juntos em Davos , para mim, significa a esperança de que o “arrabalde” pode restaurar o “paraíso”



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