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Com sociedade conectada, empresas devem entender que voz das pessoas terá mais valor

Entrevista para Jota por Alexandre Aragão em 30/03/2022


Fersen Lambranho, que participou da construção da internet no Brasil, diz que avanços

como o blockchain provocarão mudanças profundas


O sócio e presidente do conselho administrativo da GP Investiments, o engenheiro Fersen Lambranho / Crédito: Acervo pessoal


Como sócio e presidente do conselho administrativo da GP Investiments, o engenheiro Fersen Lambranho participou da construção da internet no Brasil. “A gente viu que a população brasileira chega a ser irracional no seu consumo para ter a individualidade de um celular”, ele recorda. “Celular e escova de dente, cada um tem o seu”, diz. Na conversa a seguir, Lambranho relaciona seu entusiasmo com o blockchain à conservação ambiental e ao futuro da agenda digital do país.


Leia a entrevista com Fersen Lambranho

A compreensão sobre as possibilidades de uso de blockchain e NFTs ainda é restrita a um grupo de entusiastas. Como o sr. enxerga essas tecnologias se tornando mainstream nos próximos anos? Isso é uma coisa que normalmente sempre aconteceu com novas tecnologias. Você tem poucos entusiastas, que são chamados de loucos ou coisa parecida. Se você olhar o início da internet comercial, eu tenho a sensação de que a taxa de adoção é muito parecida com o que estamos vendo hoje no uso do blockchain. Não me parece que é menos, me parece que é muito parecida. O que eu vejo é uma evolução de um processo. A internet, quando começa a ser usada pelas pessoais normais, demonstrou uma coisa muito democrática, mas tinha uma complexidade de uso. Depois, isso evoluiu para a web 2.0, em que você passou a ter companhias que se armaram como algoritmos muito sofisticados — Facebook, Google,coisas assim — e resolveram dois problemas: tornaram simples o uso da internete facilitaram conexões de empresas com o público,as pessoas. Isso fez com que essas companhias ficassem muito, muito poderosas. E esse poder tira um pouco do conceito da independência ou da democratização da internet, porque o algoritmo passou a pertencer a alguém que tem o direito de dizer se aquilo continua ou não a ser de determinado jeito.Se você usa uma ferramenta dessas para vender alguma coisa, de repente alguém muda a regra e isso acaba com o que você vinha fazendo. O blockchain é a volta do início. É uma evolução, é permitir a descentralização do algoritmo, permitir algoritmos mais democráticos, com transparência e segurança. Nós estamos assistindo a uma evolução do processo do uso das técnicas digitais. Tivemos uma primeira fase, uma segunda fase em que ficou mais fácil para todos,mas cheia de restrições, e estamos voltando para os conceitos originais. Vai terminar aqui? Talvez não. Mas virá uma fase que tem essas características que eu descrevi. E acredito que isso vai ser transversal, tudo vai ser afetado por isso. Para as empresas, quais são os principais riscos e oportunidades que se colocam nessa nova configuração da sociedade? Eu tenho a lista telefônica do Rio de Janeiro de 1905, onde o maior anunciante era um produtor de celas para cavalos. Não é surpreendente que uma tecnologia disruptiva como o telefone tenha como seu maior promotor algo tão arcaico? O risco dos negócios está sempre em não entender a sua real missão e se perder entre tantas inovações. Quando a Kodak foi criada, diziam no board que o importante era ter a simplicidade de uma caneta, e eles esqueceram disso ao longo dos anos. Criaram a máquina digital, mas esqueceram que as pessoas trocaram a caneta do bolso da camisa por um telefone digital. E um telefone digital é na verdade uma câmera de fotografar que também permite comunicação. A Kodak acabou, apesar de estar presente em qualquer birosca do planeta. A fantástica máquina de distribuição que construíram ruiu. Nessa nova sociedade da web 3.0 a voz do sujeito comum terá mais valor e o risco é as empresa se os governos não entenderem esse fato. A oportunidade está na possibilidade de construir impérios com poucos recursos no mundo digital. Uma empresa que tem capacitações em uma área específica pode alavancar com muito mais facilidade atingindo um público maior e mais financiadores. Alguém que crie um produto novo e resolva oferecer, a seus consumidores iniciais, tokens — frações de um contrato de blockchain — que permitam participar de forma automática do ganho do produto, além de opinar e até mesmo votar em alterações do produto, pode estar construindo uma maneira de ter funding barato, pesquisa de mercado de graça e continua e ainda promotores do produto, que é a melhor propaganda: o boca a boca. Você integrou a cadeia e pode estar criando vantagens competitivas enormes em relação a companhias tradicionais porque a comunidade daquele produto é mais forte e fiel. Qual é o papel da conectividade nesse futuro? Qual é a importância do 5G, com conectividade de alta velocidade em todos os lugares, para a construção de um futuro em que tudo seja mensurado e registrado no blockchain? As coisas se somam. Você vai ter a IoT (“internet of things”, em inglês, “internet das coisas”), que nada mais é do que conseguir coletar informação dos objetos, seja uma geladeira, seja a catraca de um metrô. Você tem o 5G, que vai dar velocidade para o uso do móvel,vai ajudar, mas não é crítico. Já a IA (inteligência artificial) é supercritica. Porque não adianta você ter um bando de dados disponível se você não consegue fazer correlações e chegar a conclusões. Então, por exemplo, para projetar uma estação de metrô, você deveria ter a IA e a IoT medindo o tráfego de pessoas naquela região, que vai te dar mais ou menos a necessidade para definir o tamanho daquela estação, para que ela não fique empanturrada ou ociosa. E aí você pega esse negócio e coloca em cima do blockchain. Um contrato pode passar a ser vivo. Eu consigo colocar informações que vêm do celular, informações que vêm do IoT, usar a IA, chegar a correlações e posso ter contratos que dizem o seguinte: quando tal parâmetro chegar a tal tamanho, cai o preço. Quando um evento climático acontecer, aciona um seguro automaticamente. Isso tudo caminha para uma redução brutal do risco dos contratos. Brutal. Porque o contrato deixa de ser estático, guardado em uma gaveta, e passa a estar na rede, vivo, se autoalimentando do mundo que está acontecendo e que está evoluindo. O contrato começa a ter vida própria, reduzindo custos transacionais, reduzindo custos de auditoria, reduzindo custos de análise, reduzindo os custos de um processo [judicial], reduzindo os custos de uma investigação policial. Você pode pegar os dados sem que o homem tenha que trabalhar para isso, porque isso tudo acontece no nível do processamento automático.


Essa consciência deixa de ser necessariamente humana e pode ser artificial. Para o benefício da raça humana.Para o benefício de que as coisas sejam justas, para o benefício da democracia. Para que o combinado seja executado, se não for executado, todo mundo saberá. Lembre que a Constituição e as leis são um contrato, portanto poderiam estar em blockchain permitindo maior transparência, melhor governança, acontabilite imediata e menor custo para implementar. Eu não estou dizendo que vai acontecer de o mundo ficar mais justo. Eu não estou dizendo que vai acontecer de a democracia ficar mais forte. Eu só estou dizendo que, pela primeira vez na História do homem — ou pelo menos da fase em que o homem passou a viver nas cidades e a vida ficou muito mais complexa —, existem os elementos, os instrumentos para exercitar essas coisas na plenitude. Isso é uma grande evolução. Se as pessoas vão usar isso, se os países vão adotar e querer isso, eu não vou debater. A diferença é que passa a ter como fazer. E no passado, para que a lei fosse cumprida e executada, era necessário muito custo, muito esforço físico, muito esforço humano, muita consciência para que acontecesse. Na medida em que caminhamos para um processo como o que eu descrevo, o processo pode ser meio que automático. Essa lógica tem muito a ver com a organização das plantas, na perspectiva em que o biólogo italiano Stefano Mancuso estabelece a ideia de “democracia vegetal”. Você fez uma relação perfeita. O livro do Mancuso dá uma dimensão para como a floresta vive. A gente esquece que os vegetais são seres vivos, e ele coloca muito bem que os vegetais decidiram em algum momento da evolução que seriam imóveis,e eles vivem centenas, milhares de anos. Enquanto nós, seres móveis,vivemos dezenas de anos. A flooresta tem uma inteligência e uma diversidade, existe proteção mútua entres as plantas, que é um processo automático, do ponto de vista humano.


Mas do ponto de vista das plantas demanda energia, uma coordenação que leva em conta também o micélio, os fungos. Segundo ele, algumas plantas conseguem fazer até análise biológica dos insetos que chegam nelas.É perfeita essa visão. Adicione a isso o fato de que o ser humano convive na floresta em harmonia. A verdade é que o ser humano convive em harmonia com isso, quando você olha as populações originais do Brasil. Elas convivem e entendem essa lógica — inclusive, e talvez por esta razão, os conceitos de privacidade sejam muito diferentes entre o que nós vivemos e o que é uma tribo indígena. O conceito de vida em comunidade é muito diferente. Essas coisas poderão nos levar a uma vida em comunidade. Evidentemente, você sempre pode olhar para uma nova tecnologia como uma coisa ruim. Não foi diferente quando Santos Dumont tentou fazer o avião, havia militares na França que eram contra o que ele estava fazendo. Se você olhar o que aconteceu na Bolsa de Valores quando ela começou em Nova York, era um faroeste total. Então, a gente pode olhar para esse negócio e dizer que o Big Brother, de “1984” [do escritor britânico George Orwell], está acontecendo. Eu respeito e acho que muitas pessoas podem ter essa imagem, mas prefiro olhar para o outro lado. Dizer que esse risco existe, mas tem, por outro lado, oportunidades imensas para resolver problemas que estão aí há centenas de anos mal resolvidos. E acho que o principal deles é a pobreza. Não é desigualdade. Na natureza existe desigualdade. Um ministro do Supremo tem desigualdade em relação a um juiz de primeira instância. O Gabigol tem desigualdade em relação ao cara que tá na reserva. A desigualdade é da natureza, se você for na floresta vai ver leão que tem harém e leão que não tem harém. Já a miséria e a pobreza existem por coisas objetivas. Porque não teve recurso, porque não se conseguiu construir o acesso, por coisas assim. Quando você vai para o mundo digital, começa a enxergar que muitas das barreiras podem ser quebradas com um custo praticamente zero. Fazer com que as pessoas tenham igualdade de oportunidade aumenta a chance.Não estou dizendo que resolve 100%, mas aumenta a chance. Você consegue fazer chegar em uma favela a melhor educação do mundo via vídeo, num celular. Você consegue acompanhar o desempenho de uma criança. Com o uso de AI, você consegue comparar o desempenho dessa criança com o de crianças do mundo inteiro e de repente consegue descobrir que, lá na favela, tem um menino que tem a probabilidade de 90% de ser um gênio em matemática, ou em física ou em química. Isso é uma mudança substancial. Por isso, evidentemente que haverá um processo de regulamentação dessas coisas todas. Eu acho que o importante é que esse processo de regulamentação ocorra pensando grande, não pensando pequeno. Não em frear, mas em como potencializar. E quanto mais pobre for o país, quanto mais carente for a população, mais tem a ganhar com alguma coisa que dá acesso a custo baixo,transparente e seguro. Boa parte dos críticos dessa visão estabelece uma oposição entre privacidade e vigilância, como faz Shoshana Zuboff, professora de sociologia da Universidade Harvard que definiu o conceito de “capitalismo de vigilância”. A minha visão é que em um país como o Brasil, como a Nigéria ou como, talvez, a Índia, o governo deveria ter uma força-tarefa para definir como nós, com tantos problemas básicos,podemos usar essa tecnologia mais simples, mais barata, mais transparente, para transformar a sociedade. Dar um salto quântico e ultrapassar as barreiras. Em dez anos,fazer cem anos. Eu vejo países pequenos fazendo isso e a resposta é que é porque eles são pequenos. E talvez a gente não faça porque a gente é grande. Mas o nosso potencial é muito maior, e por sermos grandes deveríamos ser muito mais capazes, porque somos muito mais ricos, by the way, se direcionarmos o dinheiro para as coisas certas. Então, o meu ponto de vista é que você deveria ter uma força-tarefa para fazer o Brasil ficar na frente desse tema. Usar essa tecnologia para reduzir gargalos, para aumentar acessibilidade, parapermitir que populações apareçam, surjam. O cérebro humano— e nós temos mais de 200 milhões de cérebros — tem a mesma capacidade independentemente de ele ter nascido em Ipanema ou no Acre, ou no Piauí, em uma família pobre ou em uma família rica. É randômico, acontece. Nós temos uma missão, como país, de dar oportunidades às pessoas, permitir que as pessoas se desenvolvam e ajudem o país a crescer e a se desenvolver. Um país como o Brasil, que tem até pelo seu tamanho tantas dificuldades de controle, deveria se dedicar muito a estar na frente desse tema. Eu acho que veremos protagonismo nesse tema de países menores,na Ásia ou no leste europeu, eventualmente um protagonismo até maior do que os Estados Unidos e outros países desenvolvidos, porque como é uma oportunidade para quem não tem recursos, um momento raro na História, provavelmente alguns países periféricos vão liderar muitas dessas coisas. A Estônia é um exemplo A Estônia é um belo exemplo. A Estônia é um país pequeno, né? Tudo bem, mas não é fácil fazer o que eles fizeram. Ali teve uma decisão: a gente vai ser ponta. Porque é a chance que eles têm. Que chance a Estônia teve na História? Eu não sei quantos habitantes tem a Estônia, 2 milhões? [A Estônia possui 1,3 milhão de habitantes, segundo dados oficiais de 2020.] Os caras perceberam que eles têm uma oportunidade histórica. O Brasil precisa ter uma agenda digital.E se vai ter uma agenda digital,não é para fazer um novo Facebook, porque não faz sentido. É para fazer a próxima onda, enquanto ela ainda está nascendo. Nesse sentido, existe uma vontade latente por parte da população brasileira, que historicamente tem taxas altas de adoção de novas tecnologias. O PIX é um exemplo recente. Eu não tenho a menor dúvida disso. A gente lá na GP esteve na Telemar nos primeiros dez anos, viveu muito a ampliação da Oi e tudo mais. A gente viu que a população brasileira chega a ser irracional no seu consumo para ter a individualidade de um celular. Celular e escova de dente, cada um tem o seu. A gente fez o iG e viu a adoção da internet nas camadas mais baixas em uma velocidade incrível. O comportamento de conexão é acima da média mundial, é um fato. Como tirar proveito disso,como país, é criando condições de usar esse potencial para o bem.

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