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Blockchain pode ser um caminho para democracia total, geral e irrestrita em 2022

Publicado no Jornal Folha de São Paulo 10/1/2022


O ano de 2021, que se esvaiu, assistiu o mundo voltar a respirar, depois de ter sido “entubado” por uma pandemia. As pessoas, que saíram para as ruas após viverem uma hibernação forçada, já não eram mais as mesmas. Os novos hábitos desenvolvidos se mantiveram, assim como um chip implantado, antecipando em anos o ser humano 2.0.


O mundo virtual se impôs por tanto tempo, que não conseguimos mais viver sem alguma de suas facilidades. Vimos artistas quase aposentados renasceram em “lives”, gente se tornando - em questão de meses - influenciador de dezenas de milhões de pessoas, a companhia mais valiosa da América Latina ser uma plataforma de venda online para terceiros, e tantos outros acontecimentos.


O ano de 2021 marca um ponto de inflexão político, social e econômico, cujo roteiro é difícil prever como será. Acredito, porém, que nos levará a uma sociedade na qual o poder estará nas mãos do povo, como nunca antes esteve. E uma das ferramentas que pode contribuir para isso é blockchain. Seu conceito foi introduzido por um texto apócrifo em 2009, dando como exemplo o Bitcoin, sua primeira aplicação prática. Passados 12 anos, já existem 17 mil criptomoedas, um terço dessas criado em 2021. O conceito, até então restrito aos gamers, nerds e experts, começa a atingir o mainstream. Hoje, 7,5% das criptomoedas estão em mãos de investidores institucionais e governos, contra 0,5% há um ano atrás.


Evidentemente, tudo que é novo gera oportunidades para malandros e pessoas mal-intencionadas. Sempre foi assim – basta nos lembrarmos do início do mercado de capitais nos Estados Unidos no século XIX, da corrida do ouro na Califórnia, do “capitalismo dos Titãs” americanos, ou do Novo Egito de Cabo Frio. Assim caminha a inovação na história e, como dizia o meu mais importante mentor “primeiro criamos o ‘far west’ para depois chamarmos o xerife”.


Estamos assistindo ao início da terceira onda da internet, liderada pelo uso do blockchain. Essa onda tem conceitos estranhos e contraintuitivos como fundamento: processamento distribuído em milhares de computadores pelo planeta, desenvolvedores que trabalham colaborando - acima de tudo - por

paixão e em rede, algoritmos com transparência total e, principalmente, códigos públicos, além de imutáveis.


Na primeira onda da internet, tivemos a disponibilização de conteúdo digital replicando a forma do mundo físico. Na segunda onda, que vivemos hoje, grandes companhias impõem seus códigos, disponibilizando-os para que todos

possam criar conteúdo. Porém, essas grandes companhias (Facebook e Google, por exemplo) têm o controle total sobre o futuro do algoritmo, mantendo as pessoas como dependentes. Nesta terceira fase, baseada no blockchain, a governança passa a ser dos usuários e colaboradores dos algoritmos que, por serem códigos abertos, viabilizarão o sonho cantado em 1971 por John Lennon: “Power to the People”. O poder vai migrar das grandes organizações para os desenvolvedores espalhados por todo o planeta, reduzindo em muito a hegemonia que a Califórnia usufruiu até aqui.


O ano da graça de 2021 começou com os investidores pequenos impondo prejuízos imensos para os investidores tradicionais. Esses investidores tradicionais haviam apostado contra a rede de lojas "GameStop", que era a paixão dos gamers. Os clientes da "GameStop" usaram o poder financeiro da sua rede de investidores “sardinhas” para, através da corretora RobinHood,

forçar a alta da ação e, assim, valorizar o que eles consideravam um bom negócio, apesar da opinião contrária dos analistas e investidores “tubarões” de Wall Street. Teve muito marmanjo do mercado indo chorar na CVM americana, dizendo que tal movimento era injusto.


Em novembro, para fechar o ano, ocorreu um fato que, talvez, seja a maior prova de que uma revolução silenciosa está começando. Um dos 13 originais da Constituição Americana foi colocado a leilão na Sotheby's, em Nova York, por um valor estimado entre US$15 milhões e US$ 20 milhões. A Constituição Americana é considerada o resultado mais concreto das ondas do Iluminismo e da Revolução Francesa. Pode-se dizer, portanto, que representa o maior símbolo da Democracia Ocidental. Um grupo de crowdfunding, utilizando-se de blockchain na chamada DAO (Organização Autônoma e Descentralizada), levantou US$ 25 milhões em 24 horas e, em seguida, US$ 40 milhões em 72 horas por meio de 17,4 mil doadores. No final do leilão, um bilionário acabou levando o exemplar por US$ 45 milhões. O povo entrou pela primeira vez na Sotheby’s, desbancando bilionários e colecionadores, para garantir a posse de um dos maiores símbolos da Democracia. Não arremataram o original da Constituição Americana, mas o precificaram pelo dobro do valor esperado pelo establishment.


A revolução da web3.0 está apenas começando, e promete alterar os negócios, os governos, a arte e as formas de convivência. Porém, o mais importante é que, pela primeira vez na história, visualizamos uma solução para tornar a democracia mais efetiva, na medida em que se torna possível conjugar regras fixas, transparência, descentralização geográfica e governança nas mãos dos agentes usuários / pagadores de impostos. Podemos sonhar com um mundo mais igualitário em oportunidades, e transparente em todos os níveis.


Em 2022, ao completarmos 200 anos de independência, devemos voltar nossos olhos para um manifesto declarado, que consiga agregar todos os agentes econômicos e as pessoas, na busca de resolvermos o problema da pobreza e da exclusão de nossa massa de 220 milhões de cérebros. Um grande projeto nacional, cuja meta maior seja melhorar a condição de vida da população de forma sustentável, utilizando-se de toda tecnologia disponível.


A web3.0 é a grande oportunidade para todos os países que perderam a primeira e a segunda onda da internet darem um salto décadas à frente. O futuro não vai ficar esperando o Brasil.



*Fersen Lambranho é presidente dos conselhos de administração da GP Investments e da G2D

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