No final dos anos 70, a UFRJ era o sonho de consumo de todo jovem no Brasil. Encrustada nas Ilhas dos Macacos, mais conhecida como Ilha do Fundão, a Universidade Federal do Rio de Janeiro, que um dia foi chamada Universidade do Brasil, estava espalhada / integrada geograficamente a cidade do Rio de Janeiro desde 1920, faz fronteira com a imensa favela da Maré.
Naquele ambiente reuniam-se os estudantes da melhor qualidade intelectual de todo o país, alimentados pelo pior serviço de comida do mundo (tanto público como privado), num calor Sub-Saara, e abrigados em prédios em frangalhos, similares aos do outro lado da Cortina de Ferro da época.
A arquitetura da Universidade, concebida durante o período Vargas, foi intencionalmente pensada para não permitir que a 'estudantada' se encontrasse. O complexo de Engenharia, por exemplo, foi inaugurado no final da década de 60, ou seja, no meio da agitação estudantil global. A UFRJ não tem um campus de fato.
Em 1983 eu me formei em Engenharia Civil, e vivi uma disputa absurda para a definição do Patrono da Turma. O que deveria ser algo simples virou uma batalha e um debate de meses, quase chegando ao embate fisico. A discussão sobre os candidatos, que simbolizavam diferentes visões de futuro daquele grupo de 200 pessoas, que conviveram e se aturaram por 5 anos, explodiu como uma bomba de ressentimentos e frustrações.
Tinhamos 5 diferentes candidatos, representando todas as matizes possíveis, em um grupo da elite educacional brasileira de 22-23 anos de idade.
No final, tivemos dois candidatos no segundo turno: Antonio Ermírio de Moraes, apoiado pelos radicais que acreditavam que o Brasil precisava se inserir na modernidade do capitalismo, e o "Engenheiro Desempregado", apoiado pelos radicais de esquerda, que achavam que o futuro estava se mostrando incerto para quem se formasse naquele ano. Dado o fim do milagre brasileiro, acreditavam que cabia ao Estado fazer algo. A grande maioria, como sempre, precisou escolher um dos lados, já que seus candidatos ficaram no caminho.
Parece a eleição presidencial de 2018, não?
A briga foi tão grande que a sonhada festa de formatura, para a qual guardamos o nosso pouco dinheiro, por tanto tempo, "melou".
Acredito que aquele microcosmo, pouco representativo da sociedade como um todo, sintetiza o perfil daqueles que comandam o país. Ali se descortinou nossa incapacidade nacional de desenvolver um debate civilizado, de equilíbrio e de respeito.
Já se passaram 37 anos e, neste período, vimos a ascensão de um retirante nordestino a Presidência, trazendo todas as bandeiras dos excluídos. Nada reformou no Estado, porém ocupou posições na máquina pública, sem resolver as grandes questões.
Nesta quase 4 décadas, vimos o discurso da intolerância de costumes perder a vergonha, e se abrir por todos os meios possíveis, sequestrando, inclusive, o direito a ser patriota para uso exclusivo de uma minoria.
Passados 37 anos, sinto que aquele clima de fim de Faculdade, para mim, virou o clima do Inverno da minha vida.
O que me consola é: se não podemos deixar um país melhor do que recebemos para nossos filhos, talvez possamos deixar filhos melhores do que somos para nosso país. Essa agora é a Nova Utopia.
Na minha formatura, o Patrono foi o "Engenheiro Desempregado", e o discurso do Orador foi na linha de crenças dos apoiadores do Antonio Ermírio que, na época, era um exemplo de empresario. A cerimônia de formatura foi esquizofrênica, com discursos destoantes.
A nossa turma de Engenheiros Civis se direcionou para Bancos, Consultorias Empresariais, Estatais, Governo, e poucos realmente seguiram a carreira de Engenharia. O pais dos bacharéis, que estava se transformando em favor engenharia / ciência, acabou criando traders de divida pública, pagos a peso de ouro para alimentar de recursos a burocracia do Estado
O colega que cuidava da nossa poupança para a festa sumiu, e nunca mais se viu o dinheiro.
O Brasil de hoje já estava ali.
Muito bom artigo Fersen. Se pode tocar no que vc conta. Gera empatia inevitável por qq um que tenha estado em uma universidade pública nessa ou em qq geração. Essa é crônica de um país viciado em dissonâncias cognitivas, políticas e morais que resolveu se inviabilizar. Claro que é triste. Mas podemos por nossos melhores instintos a farejar saídas. As sociedade está cansada das tentativas mágicas e de alto custo. Acredito que há caminhos alternativos para a mudança que estão brotando. O ponto todo é o que colocar no lugar que não seja anódino e incapaz de promover mudanças. Se os extremistas são péssimos, os equilibrados do centro não entregaram o que era necessário. Talvez a gente precise de …