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A Verdadeira Medalha

As Olimpíadas eram o momento em que as guerras paravam, para que os jovens da antiga Grécia disputassem suas habilidades nos esportes, em honra aos deuses. Quando o Barão de Cobertin recriou o evento, no final do século XIX, deu a maior contribuição moderna para a paz, igualdade e cooperação mundial. Já teria valido a pena só pelo tapa, com luvas de pelica, que o preto americano Jesse Owen deu em Adolf Hitler, em pleno estádio de Berlim, nas olimpíadas de 1936. As Olimpíadas são um grande arsenal de conquistas da humanidade, com cenas que marcam a vida das pessoas. Quem esquece: - O etíope Abebe Bikila vencendo, descalço, a maratona nas Olimpíadas de 1960 em Roma? - O brasileiro Vanderlei Cordeiro, sendo agarrado por um religioso, quando liderava a maratona de Atenas em 2004? Mesmo não ganhando a medalha de ouro, Vanderlei comemorou, sem nunca reclamar... - A suíça Gabriela Anderssen-Schiess, esgotada, arrastando-se, e concluindo a maratona, nas Olimpíadas de 1984 em Los Angeles? - Os pretos americanos John Carlos e Tommie Smith, na Cidade do México em 1968, subindo no pódio descalços, para receberem suas medalhas, e erguendo o braço com o punho vestido com uma luva negra, como o faziam, à época, os membros do Movimento Black Power? Não tenho como citar todas as cenas, porque essas são inúmeras. Ao recordarmos que, em 490AC, o herói grego que correu 40 km de Maratona à Atenas, para avisar da vitória sobre os Persas, faleceu após completar o percurso, é impressionante vermos que, a cada Olimpíada, recordes são quebrados em centenas de esportes. As Olimpíadas são a celebração da humanidade, em todos os sentidos. Não é por outro motivo que, em 1972, um grupo de terroristas palestinos, chamado Setembro Negro, escolheu o evento para matar 9 atletas israelenses, tornando esse o capítulo mais perverso da história do esporte. As Olimpíadas são, em especial, um palco para a emancipação e afirmação das mulheres. Ao longo do tempo, as mulheres conquistaram o protagonismo, e arrisco a dizer que não existe nenhum campo no qual a igualdade de sexos seja tão clara quanto nos Jogos Olímpicos. Trago, na minha memória da juventude, a admiração e respeito pelas temíveis nadadoras da Alemanha Oriental. Na minha vida, porém, nada foi mais marcante, numa Olimpíada, que o time romeno de ginástica das Olimpíadas de Montreal em 1976. Aquelas meninas de 14 anos eram mágicas. Nadia Comaneci foi capaz de conquistar nota 10, caso único, voando no espaço como uma fada, e caindo no chão com um cumprimento que dobrava sua coluna vertebral em 270 graus. Naquela Olimpíada, parecia que os deuses do Olimpo tinham permitido que os semideuses viessem, mais uma vez, competir na terra. Nunca imaginei que fôssemos capazes de disputar, seriamente, com escolas como Rússia, Japão, EUA, Canadá, ... num esporte tão sofisticado. O protagonismo de Rebeca Andrade, em 2021, tem uma relevância enorme para o Brasil. É evidente que toda medalha estimula os jovens, e é um passo para frente no caminho do esporte nacional. Provavelmente, sem pessoas como Daiane dos Santos e Daniele e Diego Hypolito, o destino de Rebeca teria sido diferente. Mas não quero explorar este ângulo - prefiro me ater ao que Rebeca demonstrou até o momento: humildade, resiliência, bom humor, disciplina, espírito esportivo, e respeito a quem veio antes dela. Essa jovem, de apenas 22 anos, ao subir no pódio de Nadia Comaneci, significou um modelo de inspiração para todo o nosso país. Com suas palavras, “temos que respeitar os protocolos da covid”, em plena entrevista de uma medalha de ouro inédita, repete o gesto de Jesse Owens, ao dar um tapa com luvas de pelica em todos aqueles que deveriam, por ofício, cuidar da saúde de um povo. Palavras convencem, mas exemplos arrastam.



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