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Foto do escritorFersen Lamas Lambranho

A Musa e a Maneca no coração do Brasil

Era um sábado de manhã no Shopping Casino Atlântico, no Posto 6 de Copacabana, quando vi uma senhora com uns 80 anos, caminhando vagarosamente. Era Danuza Leão. Não resisti, e disse a ela : "Leio suas colunas todos os domingos, e são para mim uma lição de vida". Os olhos dela, já pequenos e cansados, agradeceram. Ali estava uma mulher que, nascida no Espírito Santo na década de 30, foi personagem central de seu tempo. Modelo em Paris com apenas 15 anos, foi mulher de Samuel Weiner (jornalista dono do Jornal Última Hora), "promoter" (naquele tempo chamávamos de "locomotiva") das grandes festas do Rio nas décadas de 70 / 80, e articulista de vários jornais. As colunas de Danuza, assim como seus livros, eram frutos de alguém que viveu a vida intensamente, e que desenvolveu uma sabedoria de quem viu o luxo e o lixo, a felicidade e a desgraça. Escrever, para Danuza, significava apenas deixar fluir sua experiência de vida. Em 07jan2022, o Globoplay lançou "O Canto Livre de Nara Leão", uma minissérie documentário sobre a irmã caçula de Danuza: Nara Leão. 10 anos mais nova, Nara não foi uma modelo como Danuza (não era tão alta quanto...), porém, tornou-se igualmente relevante no seu tempo. Nara tinha 14 anos quando começou a se envolver com a turma da Bossa Nova, a quem recebia no apartamento de seus pais para noites sem fim. Com menos de 20 anos, Nara fez de sua música uma forma de protesto social, ao se juntar a Ze Keti e João do Vale no Teatro Opinião. Chocou a todos, inclusive a turma da Bossa Nova, porque a classe média misturou-se com o morro e o sertão. Na capa do disco TROPICÁLIA, que inaugurou o movimento, Caetano segurava a fotografia de Nara Leão. Apesar de também ser jovem, ela já era um selo para quem estava começando. Nara tinha a coragem de enfrentar os generais da ditadura, e cantar músicas de jovens e desconhecidos compositores. Ao sucumbir a um câncer aos 47 anos, Nara deixou um legado de coragem e pioneirismo na cultura brasileira. Danuza e Nara foram mulheres que venceram em suas atividades, numa época em que as mulheres não tinham espaço. Não me recordo de nenhum caso similar no Brasil, em que 2 irmãs tenham se destacado igualmente, e com tanta força. Danuza era a "beleza", e Nara era a "Musa". Danuza casou-se com dono de jornal, compositor (Antônio Maria), e jornalista ( Renato Machado). Nara não era apenas a "Musa", mas a própria "Música", segundo as pessoas de seu tempo. Nara foi casada com Cacá Diegues e Ruy Guerra, dois importantes diretores do Cinema Novo. Danuza foi atriz de "Terra em Transe" de Glauber Rocha, e Nara foi montadora de filmes, além de participar de alguns como atriz. Danuza representava o seu tempo no seu mundo, e Nara estava sempre à frente do seu tempo. Danuza retratava a mulher livre, e Nara expressava a mulher engajada. Importante observar que ambas tiveram sucesso não por uma questão acadêmica, mas por serem capazes de viver intensamente suas vidas. Eu imagino que a razão do destaque destas mulheres esteja relacionada com a forma como seus pais as criaram. Danuza, em alguns trechos do seu livro de memórias “Quase tudo", comentou lições que receberam: “Essas coisas de pai e mãe que conversam, perguntam pelas notas no colégio, contam histórias, dão beijo, fazem carinho e dizem que filhos são lindos e inteligentes, tudo isso deve ser muito bom-ouço falar, mas desconheço.” “Fomos preparadas, Nara e eu , para enfrentar a vida como adultas, para sermos livres e jamais dependermos financeiramente de homem nenhum.” “Meu pai não cansava de dizer que mais importante que bons costumes e qualquer conveniência social é falar a verdade, sempre; que as glórias e honrarias deste mundo não tem nada a ver com a felicidade, que nada acontece sem esforço; que não adianta ensinar, só se aprende com a vida - e apanhando.” Como exemplo do impacto destes conceitos em Nara, fica o apelo, em forma de poesia, de Carlos Drummond de Andrade, ao pedir para que o Presidente General Costa e Silva não a prendesse, depois de uma entrevista dada por ela a um jornal sobre o papel dos militares no governo da época. “Será que ela tem na fala, Mais do que charme, canhão? Ou pensam que, pelo nome, Em vez de Nara, é leão?” Não seriam quaisquer pais que, no final da década de 40, deixariam Danuza, aos 15 anos, ir para Europa para ser modelo. Esses mesmos pais liberaram seu apartamento para uma trupe imensa de jovens, quase todos mais velhos que Nara, para que, com seus violões e whisky, a Bossa Nova "nascesse". Acredito que, mesmo hoje, ambas as decisões não seriam simples para a maioria das famílias. Nesta história, podemos tirar várias lições para a causa feminina. Uma delas é de que os pais podem ser sempre revolucionários criando suas filhas.



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1 則留言


andre
2022年1月21日

Memórias! Tão fugazes e tão necessárias.

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